Como o profissional de Saúde pode considerar os fatores externos e emocionais do paciente para realmente combater a obesidade?
Bem, estamos aqui mais uma vez para falar sobre esse tema que tem sido muito discutido, que é a obesidade. No nosso encontro de hoje, vamos saber sobre os estímulos que podem gerar a doença, além das ações (urgentes, diga-se de passagem) que nós, profissionais de saúde, devemos adotar para reverter essa situação que atualmente é alarmante. Para você que não leu ainda, não deixe de conferir o texto anterior: Por que perdemos a guerra para a obesidade? – parte 1.
Quais são os estímulos ambientais que geram a obesidade?
De fato, os principais responsáveis por desencadear respostas que irão aumentar o número de células de gordura são os maus hábitos alimentares e o sedentarismo. Contudo, é importante entender que um dos fatores muito negligenciados na gênese da obesidade é a atividade hormonal que esse ambiente pode gerar. É simples: por maior que seja o gasto energético de uma criança que brinca o tempo inteiro, o balanço hormonal estará comprometido se ela viver sob estresse, não conseguir dormir direito, apresentar distúrbios psicológicos de isolamento, agressividade ou tristeza, consumir alimentos que tendam a aumentar respostas insulinêmicas ou que desrregulem a microbiota intestinal e reduzam a sinalização de hormônios relacionados à fome, apetite e saciedade, entre outros.
É importante frisar isso, pois a ciência focada no emagrecimento tem ganhado muita força atualmente, o que faz da área de saúde voltada para o metabolismo uma potencial candidata à área de intervenção profissional do futuro.
Principalmente diante da pandemia da obesidade e de diversos estudos que têm revigorado discussões antes deixadas de lado por profissionais ligados ao estudo do metabolismo humano como médicos, nutricionistas, educadores físicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, enfermeiros e outros.
Estratégias voltadas ao emagrecimento e antes tratadas com pouco rigor científico, atualmente estão em voga e são explicitamente estudadas e debatidas. Especialmente na área alimentar e de exercícios físicos, que são dois dos principais pilares que orquestram a fisiologia humana por apresentarem capacidades diretas e importantíssimas na regulação do metabolismo, atividade neuroendócrina, sistema imune, interação nutricional e adaptações moleculares. Esses são não só capazes de transformar a composição corporal como também ditam o comando sistêmico que regula as reações bioquímicas metabólicas de transformação da energia.
Antigamente, acreditava-se que o consumo dietético de gorduras era proibido e necessariamente levava a estados de alteração negativa do perfil lipídico e que isso diretamente levaria ao aumento do risco de doença cardiovascular. Em contrapartida, o consumo aumentado de carboidratos não aparentava ser um possível desencadeador de desequilíbrios nutricionais e hormonais que poderiam comprometer a saúde, tampouco a redução do consumo de proteínas ou a estratificação do consumo alimentar levar em consideração apenas a energia consumida e gasta ao longo do dia.
Paralelamente, a linha de pesquisa voltada para o gasto energético também buscava, através dos estudos envolvendo exercícios físicos, encontrar métodos de treinamento capazes de aumentar o consumo de energia provocado pela prática de atividades físicas e, dessa maneira, propagar e desenvolver programas cujo principal objetivo seja a maior “queima de calorias”.
A mudança desse panorama se fez tanto pela necessidade de se rever e descobrir aspectos fisiológicos importantes relacionados ao ganho de peso, quanto pelo aumento da tecnologia dos meios de pesquisa.
Hoje, a ciência nesse campo é promissora e procura contextualizar os diversos componentes que dão origem à obesidade da melhor maneira possível, de modo a levantar hipóteses, comprovar especulações e conjuntamente responder questionamentos que permitam uma maior reflexão sobre a magnitude desse problema de saúde pública que compromete a qualidade de vida de muitos.
Sabe-se que a obesidade é uma doença de caráter inflamatório, que leva ao aumento do peso e acúmulo de gordura corporal e também a um desequilíbrio metabólico e hormonal, cuja origem é intricada e envolve múltiplos fatores.
A partir dessa definição e dos diversos fatores que levam à alteração fisiopatológica do metabolismo humano e favorecem o ganho de peso e o desenvolvimento de doenças de ocorrência simultânea e destrutiva, a ciência atualmente não leva mais em consideração que o ganho de peso é gerado a partir do gradiente energético positivo, em que “come-se mais e gasta-se menos”. A teoria de que a obesidade é uma doença exclusivamente gerada a partir da má alimentação e do sedentarismo tem sido melhor reformulada.
Não estamos negligenciando o papel da alimentação e da prática de atividade física, apenas estamos dizendo que os estudos que envolvem os meandros do processo metabólico cada vez mais repercutem à luz da ciência, levando à discussão e contextualização dos achados a nível cada vez menor, como, por exemplo, os aspectos moleculares, inflamatórios, microbianos e neuroimunoendócrinos.
Hoje, pesquisas na área de saúde necessariamente tendem a ser interdisciplinares, devido à complexidade e interação dos muitos fatores que incidem nas alterações e programação do metabolismo de pessoas com excesso de peso e que procuram emagrecer. Paralelamente,vivemos em um mundo que predispõe os gatilhos ambientais que modulam a expressão de nossos genes e, consequentemente, orquestram o funcionamento das reações bioquímicas diárias que controlam nosso peso corporal. Esses gatilhos são basicamente: a modernização do estilo de vida, facilidade de acesso alimentar, urbanização, violência, aspectos econômicos, assim como fatores psicológicos e emocionais.
É preciso também considerara influência midiática e social na padronização e aceitação de ideais estéticos que estejam associados à beleza e status social, o que pode levar à auto-depreciação corporal e baixa auto-estima daqueles que não conseguem alcançar os corpos ditos “normais” ou “bonitos”.
Tudo isso desencadeia um ciclo vicioso de insatisfação corporal que impede a pessoa de ser feliz e, consequentemente, a faz nutrir desejos suicidas ou de isolamento social.
Como o profissional de saúde pode combater a obesidade?
Os profissionais de saúde que almejam trabalhar nessa área necessitam de capacitação global sobre o entendimento do fenômeno do ganho de peso. É inadmissível que um formador de opinião e disseminador de práticas terapêuticas que incidam sobre a prevenção, tratamento ou redução da obesidade não esteja em sintonia com os inúmeros componentes ligados ao processo de ganho de peso e transformação do corpo na sua esfera biopsicossocial.
É comum que uma pessoa incorpore o estigma de “gordo” impelido pela sociedade e pelos próprios profissionais de saúde, que disseminam mantras hipnóticos de “força, foco e fé”, “no pain, no gain”, “você é aquilo que você come”e “dedicação e disciplina”, por exemplo, mas sem compreender que a sua capacidade exacerbada de ganhar peso pode estar enraizada nos genes e que, por conta disso, seu corpo não funciona da mesma forma que a maioria da população.
Dessa maneira, por mais que a pessoa com excesso de peso esteja sob restrição e/ou adequação dietética, praticando regularmente exercícios físicos, monitorando as concentrações hormonais, cuidando de sua microbiota intestinal, reduzindo o tempo de ociosidade, enfim, que de fato esteja se doando em prol do emagrecimento e obtenção de saúde, ela não pode ser comparada com o resto do mundo. Ela deve ser comparada consigo mesma, em blocos. Ou seja, o processo contínuo de emagrecimento deve permitir que o corpo entenda e se adapte à nova realidade.
Um exemplo são os centros nervosos hipotalâmicos que comandam os sinais de vontade de comer e saciedade ao se alimentar. Ao longo da pequena, mas progressiva redução do peso corporal proporcionada por programas de emagrecimento (seja ele dietético, composto de exercícios físicos, medicamento ou cirurgia), é preciso permitir que esse comando seja restaurado ou que se torne melhor responsivo aos impulsos gerados pelos mediadores hormonais e metabólicos de nosso corpo.
Em contrapartida, quando a pessoa que luta contra a balança não encontra um bom profissional que seja capaz de ensiná-la e orientá-la sobre esses inúmeros fatores, ela tende a aceitar esse quadro e admitir uma “culpa” que não existe! Ou seja, em sua mente um sentimento de omissão e de vergonha lhe toma por completo, ocasionando um efeito emocional e psicológico “sistêmico” que lhe toma a vontade e motivação para contornar esse estado de saúde. A pessoa obesa pode então bloquear qualquer chance de ser feliz ou aceitar em sua essência a sua beleza natural, em detrimento do estigma social de que a gordura corporal não é associada ao belo. E necessitamos também da saúde mental, para, de fato, alcançarmos a felicidade em suas diversas facetas.
Ao não permitir que nossa sociedade seja feliz e saudável por conta dos efeitos danosos da obesidade em suas diversas esferas, nós, profissionais da área de saúde, estamos sendo negligentes com o conceito de promoção de saúde, o associando de forma errada somente ao estado de “ausência de doença”.Mas devemos sempre lembrar que a saúde perpassa a essência do indivíduo desde seu átomo até seu espírito, cosmos ou energia.
Se perdemos a guerra para obesidade, isso não significa que não tenhamos condições de combatê-la ou que não podemos nos adaptar tanto a um novo ambiente quanto às condições impostas por ela. É possível ser feliz, amar e sermos amados, mas o “start” acontece dentro de nós, mesmo que tenhamos esquecido o que é o amor próprio ou ao próximo. A partir do momento em que nos lembrarmos disso ou formos corretamente orientados por profissionais de saúde que se atentem adequadamente à complexidade desse mal, teremos enfim vencido a “guerra” contra a obesidade.
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Muito obrigado por sua leitura. Espero que aproveite este conhecimento e mude seus hábitos para juntos contribuirmos para a vitória nessa guerra.
Um grande abraço e até a próxima.
3 comentários em “Por que perdemos a guerra contra a obesidade? – parte 2”
Santiago, boa tarde !
Gostaria de saber a reeducação alimentar em crianças, pois a minha cunhada tem um filho de 6 anos e o mesmo pesa 39Kgs e ela acha que diminuindo o almoço e a jantar ira ajudar, mais o que não acontece pois ele sempre chora querendo mais….Rsrsrsrs
O que seria o certo ?
Olá Priscila Fagundes tudo bem?
Toda intervenção e planejamento dietético deve ser avaliado por um nutricionista. Não esqueça de procurá-lo ele com certeza irá lhe dar toda a orientação necessária para seu caso.
Contudo dado a situação é importante entender que a questão energética não é principal fator que leva ao ganho de peso, fatores como o tipo de alimento fornecido a criança, consumo de fibras, frutas, legumes, abdicação de hábitos alimentares sustentados pelo consumo de guloseimas e refrigerantes, muito comum nessa faixa etária, e muitas das vezes permitidos pelos pais como forma de recompensa ou até mesmo para “acalmar” a criança, entre diversos outros fatores que o profissional de nutrição irá detectar.
Lembre-se que o ganho de peso depende de diversos fatores!
Grande abraço
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