Por que perdemos a guerra contra a obesidade? – parte 1

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A má alimentação e o sedentarismo estão longe de serem os únicos causadores da obesidade

 

 

Olá!

 

Tudo certo?

 

Hoje aqui no Blog do IESPE nós vamos falar de um assunto muito importante que tem afetado muito a população global: a obesidade. Como profissional de Educação Física, sinto que temos que estudar muito o tema, afinal, a obesidade é, na grande maioria das vezes, a porta de entrada para outros males que atingem nosso organismo. Por se tratar de uma questão tão séria, penso que precisamos discutir detalhadamente e criticamente os assuntos. Para isso, vamos dividir nossa conversa em duas partes. É só acessar ao final do post o link da segunda parte deste texto para se aprofundar ainda mais no tema. Combinado?

 

Bem, neste primeiro post, a minha ideia é trazer à tona a situação e começar a discutir como surge o problema da obesidade. Já te adianto uma coisa: a situação é muito mais profunda do que a fórmula sedentarismo + má alimentação. Por isso, te convido a acompanhar comigo esta primeira parte e descobrir por que perdemos a guerra para a obesidade.

 

Certa vez, ao longo de minha graduação, ao responder uma questão de prova em uma dada disciplina, obtive um feedback que contrastava com minha resposta aparentemente correta. A pergunta era: O que causa a obesidade?

 

Interessante é que me foi dado espaço de apenas uma única linha para a resposta. A meu ver, aquele pequeno campo induziria a pensar que a resposta para a questão era simples: “Alimentação incorreta e sedentarismo”. Bom, naquela época estava começando a estudar sobre o porquê de estarmos engordando tanto ou até o inverso: porque não conseguimos emagrecer?

 

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Interessantemente, desde aquela época os números de incidência da obesidade ao redor do mundo não param de crescer. Sabe-se, de acordo com levantamento realizado por Di Cesare e publicado este ano na revista The Lancet, que atualmente cerca de 700 milhões de pessoas estão obesas no planeta Terra.

 

A estimativa é que esse número dobrará nos próximos 15 anos. É isto mesmo:  em 2030 as projeções são de que o número de obesos no mundo alcance pelo menos 1,5 bilhões de pessoas. Perdemos ou não essa guerra?

 

Chamo a atenção para outro aspecto que é o de que estamos falando do número de pessoas doentes (Sim! A obesidade é uma doença) com estados nutricionais elevados e não somente acima do peso ideal, como muitos levianamente relatam. Para se ter uma ideia, do ponto de vista epidemiológico (aquele que tenta enxergar a população como um todo, e não de forma singularizada), existe um índice chamado IMC (índice de massa corporal), cujo valor resultante da divisão do peso corporal em quilos sobre a estatura ao quadrado, classifica o grau do estado nutricional enquadrado pela pessoa. Em síntese, caso os valores sejam menores que 25 kg/m², classifica-se o índice como peso normal. A partir desse valor até 29,9, considera-se que o indivíduo está com sobrepeso e, a partir de 30, obesidade. Quanto maior o valor, mais suscetível ao desenvolvimento de outras doenças a pessoa fica, desde patologias osteoarticulares até cardiometabólicas, cujos desfechos incluem hipertensão arterial, coronariopatias, diabetes mellitus do tipo 2 e doença renal crônica, todas diretamente associadas ao risco de morte.

 

Nos dados epidemiológicos de obesidade não estamos adicionando os sujeitos com sobrepeso, mas somente considerando aqueles que já se encontram acima do limite 30.

 

É importante levar em consideração que essa ferramenta não avalia a composição corporal do sujeito, portanto não distingue o peso corporal em massa adiposa ou massa muscular, também chamada de massa insenta de gordura.

 

Talvez seja essa uma das justificativas para a resposta daquela questão de prova ao qual me referi. A massa muscular aumentada e um percentual de gordura reduzido geralmente são composições corporais conquistadas por pessoas que se engajam regularmente em atividades físicas e também possuem bons hábitos alimentares.Isso nos leva a pensar que, apesar de possuírem tais hábitos de alimentação e exercício,  esses indivíduos podem apresentar valores de IMCs reduzidos ou mesmo elevados.Podemos concluir,portanto, que a grande quantidade de massa muscular, como no caso dos fisiculturistas, não permite inferir, do ponto de vista obesogênico, que a classificação do IMC para pessoas ativas e com grande capacidade de modulação da composição corporal através da prática de exercícios físicos, sirva para a população ativa.

 

Isso tem fundamento, ao levar em consideração que os valores de IMC, quando usados como base,sem contextualização clínica, são apenas dados“matemáticos”. Ou seja, é necessário adicionar outros achados clínicos ao valor de IMC para obtermos informações adicionais sobre o paciente, cliente ou aluno de modo a classificarmos o risco de aquisição de outras doenças além da obesidade. Portanto, é imprescindível que se leve em consideração medidas relacionadas à prática de exercícios físicos, circunferência abdominal, valores pressóricos, glicemia de jejum ou glicada, frequência de consumo de determinados alimentos, principalmente os de alto valor energético, entre diversos outros fatores.

 

Todas essas correlações são importantes para a prevenção, diagnóstico e tratamento da doença que já é considerada pandemia mundial e onerará os cofres públicos em saúde em 2030. Para se ter ideia do tamanho do problema, a estimativa é que, somente nos Estados Unidos, o gasto seja por volta de 1 trilhão de dólares. Por isso, é preciso que nós entendamos os diversos aspectos envolvidos na origem da obesidade, para buscar medidas que possam pelo menos reduzir sua incidência ou suas comorbidades (ocorrência simultânea de doenças em um indivíduo) e garantir a qualidade de vida das pessoas sujeitas aos danos dessa doença.

 

 

A genética da obesidade

 

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Primeiramente é preciso esclarecer: “SIM”, a obesidade pode ser instaurada pelo sedentarismo ou a falta de atividade física e hábitos alimentares irregulares, que constituem o chamado balanço energético positivo, em que a energia diária advinda pelo consumo alimentar é maior que o gasto energético dos processos metabólicos do corpo. Contudo, um profissional da área de saúde que acredita que a gênese ou tratamento da doença se faz apenas sobre práticas voltadas a esse binômio energético, está fadado ao fracasso da terapia voltada ao emagrecimento e melhora dos parâmetros metabólicos de seu cliente ou paciente.

 

É exatamente isso que provocou a reflexão frente à pergunta da prova, “o que pode causar a obesidade?”.

 

Dos inúmeros fatores responsáveis pelo ganho de peso que citarei, chamo a atenção para o primeiro deles: a obesidade pode ter sido iniciada pelos seus avós! Como? Através de uma coisa que se chama epigenética. Nela, o fundamento básico é o de que existem estímulos ambientais que excitam diariamente o comportamento da expressão de diversos genes e que podem estimular positivamente ou negativamente o funcionamento crônico das respostas enviadas pelo comando do DNA. Essas reações são as responsáveis pela síntese de milhões de proteínas que irão ser encarregadas, direta e indiretamente, pelo funcionamento do seu metabolismo. Assim, a modulação do grau da expressão de proteínas, digamos, “saudáveis e maléficas”, vai depender do quanto você expõe seu corpo a fatores como:  produtos tóxicos ou radiações, poluição ambiental, nutrientes, hormônios e a própria contração muscular consequente do movimento corporal.

 

Outro aspecto importante é que o nível de exposição e, consequentemente,a expressão gênica desses aspectos, seria capaz de deixar uma “marca” genética duradoura, que poderia ser perpetuada nos cromossomos das gerações conseguintes. Dessa forma, aumentaria a suscetibilidade e sensibilidade dos estímulos ambientais que acionariam respostas gênicas em prol do ganho de peso ou emagrecimento.

 

Levando em consideração esses fatores, o período de gravidez pode se tornar um momento de desenvolvimento que os pesquisadores denominam “ janela de programação metabólica”. Isso quer dizer que a mãe pode propagar ao feto estímulos capazes de modular futuramente o comportamento do metabolismo do filho, deixando-o mais suscetível tanto ao ganho de peso quanto ao emagrecimento. Dentre as diversas condições ambientais maternas que podem sujeitar o desenvolvimento fetal, podemos citar o próprio estado nutricional.

 

Estudos mostram que o estado nutricional materno ao longo da gestação é capaz de intervir na programação do comportamento metabólico do filho no futuro. Tanto a desnutrição materna quanto os estados de sobrepeso ou obesidade durante a gravidez podem, ainda no período gestacional, desencadear pulsos nutricionais e hormonais que vão orquestrar o desenvolvimento e comportamento de diversos genes. E são esses genes que, no futuro, serão responsáveis pela mediação e controle do balanço e consumo energético do descendente.

 

Uma mãe que apresenta desnutrição durante a gestação pode programar os genes da criança a funcionar de uma maneira hiperestimulada para absorver e consumir energia durante a sua fase de crescimento e desenvolvimento pós-natal. É como se fosse um mecanismo natural de compensação da criança em detrimento da falta de nutrientes ofertados durante seu desenvolvimento. O organismo entende que ele precisa potencializar as vias de absorção de nutrientes no intuito de promover um aporte adequado energético que equilibre uma possível falta durante sua a formação orgânica.

 

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Contudo, vias principalmente hormonais tendem a ser desequilibradas de modo a levar o recém-nascido a promover um desbalanço precoce da sinalização de hormônios, principalmente os que regulam os sinais de apetite fome e saciedade.

 

A partir daí, cria-se um ambiente obesogênico crônico, de superalimentação, hiperabsorção, inflamação e aumento da capacidade de anabolismo celular, principalmente das células adiposas, que em crianças tendem a ser mais sensíveis à multiplicação e diferenciação celular. Isso  leva ao aumento crônico e irreversível no número de células de gordura que o indivíduo carregará para o resto da vida.

 

Esta é uma das justificativas, independentemente da vulnerabilidade dos genes obesogênicos, de se prevenir a obesidade ainda durante a infância:  a hiperplasia das células de gordura ou adipócitos é potencialmente expressa em períodos iniciais da vida. A magnitude do crescimento e número de células de gordura desenvolvidas para “preencher” o tecido adiposo responde proporcionalmente aos vários estímulos advindos do ambiente. Esse contexto irá acionar as reações celulares relacionadas ao ganho de peso (principalmente pelo ganho de tecido adiposo) através da hiperplasia dos adipócitos.

 

Bem, pessoal, este conteúdo é muito extenso, eu sei. Para a melhor compreensão do assunto, vamos ficar por aqui e o restante  continuamos no próximo post sobre o assunto, combinado?

 

Para registrar tudo, nesta publicação falamos do problema e da grande ameaça que a obesidade representa para a nossa espécie, além dos processos hereditários envolvidos nesse contexto. No próximo post, vamos saber quais são os estímulos ambientais que podem gerar obesidade e o que nós, como profissionais de saúde, podemos fazer para reverter o quadro.

 

Se você tem alguma dúvida, ou sugestão, comente aqui embaixo, pois vou ter o maior prazer em te atender, ok? E lembre-se de conferir a segunda parte deste post aqui no Blog do IESPE!

 

Eu aguardo você.

 

Um abraço.

 

 

 

 

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Santiago Paes

7 comentários em “Por que perdemos a guerra contra a obesidade? – parte 1”

  1. Saudações Santiago, primeiramente parabéns pelo excelente artigo . A minha pergunta se refere aos protocolos de treinamento físico para pessoas obesas. Levando em consideração que este tipo de pessoa possui baixa aptidão física por conta das limitações que a obesidade a impõe , em sua opinião qual seria uma metodologia (treinamento aeróbio , concorrente , treinamento circuitado ) mais adequada ou eficiente para o tratamento da obesidade no que diz respeito ao treinamento físico ?

  2. A obesidade tem a ver com a má alimentação e muitas vezes com regimes de fome que as pessoas se impõem e não são capazes de se manter. O mercado de alimentos oferece muita coisa boa, mas também muita coisa que engana pela imagem e pelo gosto. A luta é árdua e vai ser longa.

  3. Olá Vinícius, primeiramente muito obrigado pelas palavras. O organismo de uma pessoa obesa leva a um comprometimento dos sistemas energéticos e seus sistemas que auxiliam o metabolismo tanto em repouso quanto em movimento, estamos falando em disfunções hormonais, inflamatórias, enzimáticas que induzem respostas diferenciadas da população não-obesa.

    Assim, é muito comum que ao realizar exercício físico a pessoa com excesso de peso apresente fadiga (cansaço), comprometimento osteomioarticulares, taquicardia, sudorese reduzida e outros comprometimentos. Paralelamente a isso e os fatores epigenéticos programadores da obesidade, principalmente durante a infância, dificultam a realização tanto por aspectos fisiológicos, ortopédicos e até psicológicos ( vergonha de expor o corpo) levando por exemplo ao baixo aprendizado motor e consciência corporal na criança/adolescente obeso cujos desdobramentos, podem incidir na realização incorreta dos movimentos exigidos pelas diferentes metodologias de treinamento físico cujo desfecho ao invés de ser o emagrecimento poderá ser de surgimento de lesões na fase adulta.

    Dessa maneira, antes de pensarmos na otimização do gasto energético pensemos em avaliação física, anamnese e história pregressa do praticante. A partir daí pensemos inicialmente em fortalecimento muscular, flexibilidade e correção de desequilíbrios osteomioarticulares. Feito isso, possívelmente poderemos avaliar as melhores metodologias de treinamento voltadas ao emagrecimento. Uma dica, na pós graduação em fitness do IESPE, esse tema será um dos módulos. Quem sabe não nos encontramos lá e de fato poderemos discutir pormenorizadamente essas variáveis inerentes ao exercício físico? Grande abraço

  4. Olá Artur. Os estudos têm mostrado que a relação do consumo de alimentos, por mais que seja ruim, pode ser ajustada com outras estratégias, seja elas dietéticas ou exercício físico. Contudo isso também não é garantia de sucesso, uma vez que condutas dietéticas que somente direcionem o olhar para a energia consumida, numa dada intervenção nutricional, deixa de lado a possibilidade de avaliar se aspectos hormonais, inflamatórios, de dano a microbiota intestinal entre outros, estão sendo monitorados durante a dieta. Outro contexto importantíssimo é o psicológico, visto que a obesidade também pode ser desencadeada por fatores ligados a ele. Como pode perceber, é um problema de saúde extremamente complexo, haja visto que mais da metade da população da Terra está acima do peso ideal ou seja, no caminho para se tornar obesa. Do ponto de vista profissional o IESPE dispõe da pós-graduação em nutrição clínica e desportiva, em que alguns módulos são destinados a influência da alimentação no desenvolvimento da obesidade. Lá, são encontrados um ambiente favorável e boas discussões sobre o tema. Grande abraço

Os comentários estão encerrado.

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