Conheça a realidade da Aids no caso de transmissão vertical e como deve ser o atendimento de enfermeiros a grávidas soropositivas
A Aids (Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida) apareceu na era moderna (anos oitenta), como uma doença grave, assemelhando-se à peste negra e à febre bubônica da Idade Média. O primeiro caso notificado da doença foi um jovem norte-americano com o quadro clínico de Sarcoma de Kaposi e Pneumonia rara, marcando o início de uma longa luta para desenvolver tratamentos e buscar uma solução definitiva para a doença. Se hoje, apesar de todos os avanços, ainda enfrentamos esse mal, é muito importante pesquisar e conhecer a aids. Com esse objetivo, o nosso grupo de pesquisa procura entender o caso específico das grávidas soropositivas e este texto é uma produção conjunta para ampliar o conhecimento, consciência e pesquisa em torno desse tema.
História da Aids
Após o estopim da doença, várias pesquisas iniciaram-se na década de oitenta com o objetivo de descobrir a sua causa. Podemos destacar a equipe de Robert Gallo (EUA) e de Luc Montaigner (França), em 1983, por terem isolado o vírus em laboratório, denominando-o de HTLV III (Vírus Linfotrópico Humano tipo III) nos EUA e LAV (Vírus Associado à Linfadenopatia) na França.
Sabe-se que, atualmente, existem dois tipos de vírus HIV:1 e 2. Por ser mais encontrado pelo mundo, o HIV – 1 é o responsável pela maioria das infecções, sendo virulento e com capacidade de rápida mutação e de ataque ao sistema imune.
Já o HIV-2 está presente na África Ocidental desde a década de 60, sendo isolado em 1986 entre profissionais do sexo no Senegal. A transmissão sexual e vertical é considerada lenta, se comparada ao do HIV-1.
A aids atinge a todos, sendo considerada uma pandemia e um grave problema de saúde pública, por atingir principalmente adultos na fase reprodutiva. A via de transmissão do vírus pode ser a sexual, a endovenosa e a transmissão vertical, sendo essa última a mais preocupante, pois compromete a saúde da mãe e da criança e acarreta em um maior risco de complicações na gestação, parto e puerpério, devido à infecções oportunistas.
Diante do grande impacto da doença e da sua rápida disseminação, a terapia com os antirretrovirais (ARV) surgiu como proposta de tratamento na década de 90, sendo atualmente utilizada a tríplice terapia, que possibilita um aumento da expectativa de vida dos infectados, com melhor qualidade de vida. Devido a essa terapêutica, houve a redução de 20% de novas infecções, em série histórica realizada entre os anos de 2001 a 2011.
Transmissão vertical do HIV/Aids
Se a história da aids nos mostra uma realidade ainda sem uma cura conclusiva, cabe ao profissional de Saúde estar sempre em busca de soluções. E embora seja costume associar a doença a uma transmissão em fase adulta, o processo de infecção do vírus HIV acontece em muitos casos logo na gestação. Esse é um fato que merece atenção especial dos enfermeiros obstetras e que é abordado, por exemplo, na Pós de Enfermagem Obstétrica.
Considerando a gravidez e o processo de transmissão da doença para o recém-nascido, surgiram algumas propostas e avanços que devem ser conhecidas pelos profissionais da área. O Protocolo 076, por exemplo, é uma proposta de intervenção profilática feita por um grupo de pesquisadores americanos e europeus e denominada PACTG 076 (Pediatric Aids Clinical Trials Group). Sabe-se que o uso da Zidovudina (AZT) (durante a gravidez, trabalho de parto e para o recém-nascido), e a suspensão do aleitamento materno reduzem o risco da transmissão vertical do HIV.
Por essa razão, ao receber o diagnóstico de positividade para o HIV, a gestante deve ser acompanhada em serviço especializado ou por médico capacitado em terapia antirretroviral e, sempre que possível, ser referenciada para maternidade ou hospital cadastrado para o atendimento de gestantes portadoras do HIV, onde se encontra a zidovudina (AZT) injetável para a parturiente, AZT solução e fórmula láctea para seu recém-nascido.
Com a maior acessibilidade ao pré-natal, o rastreamento para o diagnóstico precoce e o uso de ARV no pré-parto, parto e início da terapia com ARV nos recém-natos, a transmissão vertical do HIV teve um melhor prognóstico e melhor perspectiva de vida para as crianças. Enquanto no início da epidemia a transmissão vertical girava em torno de 25%, hoje, com a intervenção adequada nessas mulheres, a transmissão de mãe para filho pode chegar a menos de 1%.
Como deve ser o atendimento à gestante com aids?
Para se obter sucesso na quimioprofilaxia do HIV na transmissão vertical, deve-se realizar a contagem da carga viral e dos linfócitos TCD4 periodicamente durante a gravidez. Também deve ser feito o uso do antirretroviral na gestação a partir da 14ª semana, da zidovudina injetável por quatro horas durante o trabalho de parto, até o clampeamento do cordão umbilicale do AZT e Nevirapina xarope no recém-nascido, iniciado nas primeiras horas de vida e inibindo a lactação para que a mulher que acabou de dar à luz não amamente.
Vale ressaltar que com a idade gestacional acima de 39 semanas, em tratamento do SAE (Serviço de Assistência Especializada em HIV/Aids), carga viral menor que 1000 cópias e os Linfócitos TCD4 maiores que 200/ mm³ deve-se respeitar a autonomia da paciente para decidir sua preferência pelo tipo de parto.
A administração da zidovudina (EV) em todos os casos, independentemente do esquema de tratamento antirretroviral usado pela gestante, na dose de 2 mg/kg/ na primeira hora e 1mg/kg/hora até o nascimento, é o mais adequado. A medicação deve ser diluída em 100ml de soro fisiológico e interrompida após o parto. É importante ressaltar que níveis sanguíneos adequados dessa droga são alcançados apenas se a infusão é iniciada pelo menos três horas antes da incisão, no caso de cesárea eletiva.
Além disso, deve-se administrar zidovudina (solução oral) para o recém-nascido, 2mg/kg a cada 6 horas, por seis semanas, iniciando com 6 a 8 horas de vida. E, ainda, contraindicar o aleitamento materno, inibindo a lactação de preferência com medidas clínicas, enfaixamento das mamas, compressas geladas, etc.
Sabe-se que a qualidade do pré-natal e da assistência ao parto encontra-se aquém do desejável, resultando na administração de zidovudina injetável em menos de 60% dos partos do total de mulheres infectadas pelo HIV estimadas/ pelo Ministério da Saúde. E, ainda, o AZT via oral é usado no lugar do injetável. Consequentemente, essas dificuldades, nos últimos anos, levaram ao aumento da incidência de casos de aids em crianças no Brasil.
Centro de Testagem e Aconselhamento – CTA
Diante dessa realidade de crescimento no número de infectados com o vírus HIV, surgiu o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA). Através do Serviço de Atendimento Especializado e integrado ao Programa Municipal DST/Aids da Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, foi implantado em 28 de setembro de 1996, se tornando a referência para 107 municípios da Zona da Mata Mineira. Os casos positivos para o HIV são tratados pelo Programa Municipal de DST/Aids, por meio do Serviço de Assistência Especializada, em que o paciente é acompanhado por um médico infectologista e profissionais de Enfermagem (enfermeiro e técnico de Enfermagem), Psicologia, Odontologia, Serviço Social, tendo também acesso aos medicamentos antirretrovirais.
A pesquisa do CTA foi cadastrada na Plataforma Brasil, além de submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. Com o objetivo principal de conhecer os desafios encontrados pelo SAE no acompanhamento das grávidas soropositivas, o estudo resultou em alguns dados interessantes sobre essa realidade.
No ano de 2015, foram cadastradas 26 mulheres no período gravídico puerperal. Percebeu-se que 19,23% (cinco gestantes) estavam na faixa etária de 21 a 25 anos e 30,76% (oito gestantes) tinham entre 31 e 35 anos. Dessas mulheres, foram recolhidos os seguintes dados:
- Faixa etária de 21 a 25 anos cerca de 60% (n=3) estavam no primeiro trimestre de gestação, porém, cerca de 40% (n=2) foram notificadas depois do parto, e 25% (n=2) estavam sem tratamento prévio.
- Faixa etária de 31 a 35 anos: cerca de 75% (n=6) das mulheres estavam no primeiro trimestre de gestação, sendo que em 12,50% (n=1) o período da notificação foi realizado após o parto, o que reduz as chances de sucesso da quimioprofilaxia da TV HIV apenas na hora do parto. As demais notificações, que constituíam 87,50% (n=2) dessas mulheres, já estavam em tratamento no SAE, com o uso de antirretroviral.
Podemos concluir através dos dados da pesquisa que grande parte das mulheres jovens e grávidas soropositivas para o vírus HIV não tiveram acesso ao antirretroviral a partir da 14º semana de gestação. Portanto, essas grávidas não receberam as ações profiláticas do Protocolo PACTG 076 no intuito de reduzir a transmissão vertical do HIV no parto.
Vale lembrar que o pré-natal deve ser realizado mensalmente, ainda no primeiro trimestre da gestação, pois serão realizados vários exames importantes para o rastreamento das doenças de transmissão vertical, como a Aids e a Sífilis. O exame anti-HIV I e II é oferecido, após o aconselhamento pré-teste, gratuitamente na Atenção Básica de Saúde, em Juiz de Fora.
Após o rastreamento e com o resultado positivo, a grávida é encaminhada pelo profissional enfermeiro ou médico da equipe de Saúde da Família ao Serviço de Assistência Especializada, no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) e ao Pré-Natal do Departamento de Saúde da Mulher. O trabalho desses profissionais é muito importante para o tratamento da doença, como bem escreveu a minha colega enfermeira Wilma Lucia, no texto O que faz o enfermeiro na ESF – Estratégia Saúde da Família.
Pesquisas como a que foi feita em Juiz de Fora mostram que a situação da doença ainda é preocupante, principalmente no caso das gestantes mais novas. Mas também foi possível perceber o quanto é necessário o papel dos profissionais de Saúde na prevenção e tratamento da doença em seus municípios, fazendo a diferença no início de uma vida saudável e sem aids.
Grupo de Pesquisa “Desafios encontrados pelo Serviço de Atendimento Especializado (SAE), no acompanhamento das grávidas soropositivas”.
Ms. Ana Claudia Sierra Martins coordenadora do Grupo de Pesquisa (Mestre em Educação UNESA; docente no curso de Enfermagem do Centro Universitário Estácio de Juiz de Fora; Docente na Pós-graduação em Enfermagem Obstétrica do Instituto Educacional São Pedro – IESPE).
Ms. Renata Justo (Mestre em Enfermagem FACENF UFJF; docente no curso de Enfermagem do Centro Universitário Estácio de Juiz de Fora).
Mariane Caixeiro (Enfermeira graduada pelo Centro Universitário Estácio de Juiz de Fora 2016.1).
Cristiane Maria dos Santos Pereira (Fonoaudióloga graduada pela Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC); discente do nono período da graduação Enfermagem, do Centro Universitário Estácio de Juiz de Fora.
Gisele Carla de Oliveira discente do décimo período da graduação Enfermagem, do Centro Universitário Estácio de Juiz de Fora.
Leone Mendes Dias discente do décimo período da graduação Enfermagem, do Centro Universitário Estácio de Juiz de Fora.
REFERÊNCIAS
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SANE, S. Análise do Programa de Prevenção da Transmissão Vertical do Vírus HIV na ONG “Associação Céu e Terras”, Guiné-Bissau, 2007-2011. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação- linha de pesquisa: Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP), 2014.