Descubra o impacto da representação mental do corpo na formação humana
A imagem corporal na infância foi o tema investigado qualitativamente na minha dissertação de mestrado, em psicologia, na linha de desenvolvimento humano e processos socioeducativos. Esse é um assunto extremamente relevante e por isso resolvi compartilhar alguns conhecimentos com vocês, que são bastante válidos aos profissionais da Educação, Psicologia, às famílias e à sociedade como um todo.
Assista o vídeo sobre o tema ou leia o texto abaixo:
Dimensões e contexto da imagem corporal
A imagem corporal é a representação mental do corpo (Cash e Smolak, 2011), que compreende duas principais dimensões:
Perceptiva: relacionada à acurácia do sujeito ao perceber as proporções, os tamanhos do próprio corpo.
Atitudinal: referente às crenças, aos pensamentos e afetos com o corpo.
Evidências apontam que, apesar dos transtornos psicopatológicos ligados à imagem corporal desencadearem, em sua maioria, na adolescência, é na infância que surgem os pensamentos e comportamentos relacionados ao autoconceito e às atitudes corporais (Ferreira et al., 2014)), sejam eles positivos ou negativos. Por esse motivo, foquei minha pesquisa, orientada pela pós-doutora Maria Elisa Caputo Ferreira, em instituições escolares, nas turmas com crianças na faixa etária de 6 a 8 anos de idade.
Ressalta-se que estudos trazem à tona que os principais fatores socioculturais: família, amigos e mídia, influenciam na vida cotidiana do sujeito e impactam em como ele lida com esse corpo (Campana e Tavares, 2009).
Podemos observar nos brinquedos das crianças o quanto já são musculosos os bonecos/heróis e o quanto as bonecas estão cada vez com as silhuetas mais magras, seios salientes e com cabelos mais lisos e compridos. Tais objetos já tendem a transmitir, portanto, um estereotipado ideal de corpo. A partir dessas e de outras influências, as crianças crescem com um padrão muitas vezes inatingível de beleza.
Estudo sobre a imagem corporal na infância
O objetivo do estudo foi, portanto, identificar o impacto da influência dos fatores socioculturais, os quais mencionei anteriormente. Foram mediados 8 grupos focais com as crianças, os quais contavam com 12 participantes, para que todos pudessem interagir melhor e se sentirem mais à vontade em seus discursos. Os dados foram transcritos das filmagens e analisados seguindo a análise de conteúdo de Bardin (2010).
Roteiros semiestruturados, brinquedos infantis, desenhos e imagens foram utilizados para facilitar a organização e condução dos encontros, que contaram com uma moderadora, uma observadora e uma assistente. Através de termos que se repetiam nos grupos, foram categorizados os principais temas e variáveis que apareceram durante a pesquisa. O projeto foi submetido previamente para aprovação ao comitê de ética da UFJF e, inclusive, premiado com menção honrosa, pela Pró-reitoria de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, pelo reconhecimento da relevância da temática.
Resultados:
Os resultados da pesquisa foram preocupantes, pois as crianças apresentaram considerável insatisfação com a própria aparência, revelando um estereótipo internalizado de corpo ideal. Os participantes disseram, por exemplo, que para serem bonitos ou bonitas “ os meninos têm que ser fortes”, “as meninas têm que ser magras”, “que a barriga tem que ser tanquinho” e “os cabelos lisos e compridos”. Falaram até que “a cor da pele incomodava e que se pudessem mudariam os cabelos”.
Dietas, idolatria aos corpos de famosos ou amigos, cirurgias e outros assuntos polêmicos emergiram dos grupos, o que nos deixou surpresos por serem crianças em tenra idade.
Tais informações realmente corroboraram a evidência de que comportamentos e atitudes relacionados à imagem corporal surgem desde a infância e na adolescência podem desencadear transtornos psicopatológicos, como anorexia, bulimia e depressão. Nesta perspectiva, o autoconceito e a autoestima podem ficar comprometidos, caso não haja um trabalho psicopedagógico de qualidade nas escolas e com as famílias.
A continuidade dos estudos e os esforços para a superação desse problema, com foco na promoção da saúde, são importantes, pois no Brasil temos poucas evidências específicas sobre o tema na infância, assim como restrito número de instrumentos válidos para serem aplicados na população. Destaco o trabalho da doutora Clara Mockdece, que na continuidade desta pesquisa elaborou, junto a uma comissão de peritos da qual fiz parte, uma escala para avaliar a imagem corporal na infância, contribuindo para avanços nesse cenário.
Combatendo o problema em casa
Percebe-se o quanto esse tema é importante na sociedade, principalmente no contexto escolar. Entretanto, a família é a primeira e contínua instituição de convívio social na vida dos indivíduos, que influenciam esta e por ela são influenciadas. Comentários do tipo “tem que comer para o cabelo crescer e pra ficar forte igual o Hulk”, por exemplo, são brincadeiras, mas que inconscientemente podem reforçar um ideal de corpo. Dietas radicais dos adultos e falas que remetem ao próprio corpo ou ao da criança, podem acarretar em sentimentos e pensamentos negativos. Por esse motivo, todo cuidado é pouco antes de pronunciamentos dirigidos às crianças ou perto delas.
A boa imagem corporal na infância e a escola
Nas escolas esse conceito de imagem corporal está muito relacionado à construção da identidade, dos relacionamentos intrapessoais e interpessoais e é por isso que esse fator é não só extremamente importante, mas também um dos maiores desafios da educação na atualidade.
Se o aluno estiver satisfeito com o próprio corpo, isso tende a aumentar a autoestima e minimizar comportamentos inadequados. Essas crianças também se tornam mais positivas e têm um melhor convívio com os amigos. Esse cuidado reduz inclusive o bullying porque cada um começa a aceitar melhor a diferença do outro e a gostar de si como é.
Gostaria de deixar a mensagem para que tomemos cuidado com nossos pronunciamentos, principalmente com as crianças que estão em formação, desenvolvendo seu corpo e ao mesmo tempo outros importantes aspectos sociais, cognitivos e emocionais. E isso serve para os adultos também, cada um de nós deve se aceitar, se enxergar, ter uma percepção positiva de si e atitudes que preservem o próprio corpo. Que os cuidados tomados sejam em relação ao bem-estar, à qualidade de vida e à saúde e não para atingir o que não somos e nem deveríamos ser.
Agradeço e espero ter te inquietado um pouquinho em relação à importância da imagem corporal positiva em nossas vidas e na das crianças e adolescentes com as quais convivemos e, de certa forma, participamos direta ou indiretamente de sua formação/educação.
Fraterno abraço!
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1 comentário em “A imagem corporal na infância e adolescência”
Tema muito importante na atualidade. De alta relevância. Parabéns Flávia