Conheça os riscos da gravidez e aprenda como deve ser um atendimento humanizado por parte dos profissionais de saúde
Quando o assunto é gravidez, sabemos que os recursos e atuações corretas são não só importantes, mas também podem fazer a diferença para que o parto seja a melhor experiência da vida de uma mulher e não a mais traumática. Por isso, nesta segunda parte do texto sobre Obstetrícia vamos tratar da assistência do enfermeiro obstetra na gestação, assim como quais os riscos desse processo e como eles devem ser abordados pelo profissional para que o parto seja o mais humanizado e responsável possível.
Se você não leu ainda a primeira parte, não deixe de conferir também a postagem anterior Enfermagem Obstétrica: o papel de empoderar mulheres – parte 1 em que contei a minha história de vida na profissão e falei sobre a área da Obstetrícia, suas políticas públicas e o perfil do enfermeiro obstetra.
Quais são os riscos na gravidez e como combatê-los?
Antes de começarmos a falar sobre os problemas e equívocos envolvidos na gravidez, é preciso enfatizar algo muito importante:gravidez e parto não são doenças. Muito pelo contrário: uma mulher que engravida está mais saudável que nunca. Porém, algumas gestantes podem apresentar alguns fatores de risco, o que aumenta a probabilidade de evolução desfavorável. É importante que o enfermeiro seja capacitado para realizar a avaliação permanente dos riscos obstétricos e intercorrências na gravidez e parto que podem prejudicar a saúde da mulher e/ou criança e até causar a mortalidade materna e infantil. Para a identificação dos riscos, é necessário que o enfermeiro valorize as queixas da mulher, tenha conhecimento e habilidade para a realização de exame físico, obstétrico e para a avaliação de exames laboratoriais e complementares.
Os fatores de risco podem estar relacionados às características individuais e às condições sociodemográficas desfavoráveis como idade, situação conjugal, peso e estatura. Outro tipo de riscos são os relacionados à história reprodutiva anterior como, por exemplo, recém-nascido com restrição de crescimento, pré-termo ou malformado. Há fatores relacionados à gravidez atual como ganho ponderal inadequado, infecção urinária e anemia e ainda os fatores relacionados às condições prévias como doenças cardíacas e pneumopatias. Durante a assistência à gestante, podem surgir riscos e intercorrências que indicam encaminhamento imediato ao serviço de urgências e emergências obstétricas como crises hipertensivas, hemorragias, eclampsias, entre outras.
Por um atendimento mais humano
O conhecimento científico aliado à habilidade técnica é importante na assistência à mulher durante o ciclo gravídico puerperal, mas não é suficiente para garantir uma assistência de qualidade. É preciso que esse saber científico esteja baseado em evidências e que as habilidades técnicas estejam integradas às habilidades interpessoais como o respeito ao outro e aos seus desejos e diferenças. empatia; escuta ativa valorizando dúvidas, queixas e conhecimentos. Todo esse conjunto pode ser considerado como uma assistência humanizada.
Os maiores erros cometidos pelos profissionais que assistem a mulher durante a gravidez e ao parto estão relacionados principalmente ao fato de não considerarem a gravidez como uma das fases mais saudáveis da vida da mulher e algo fisiológico. No momento do parto, fica mais evidente a crença de que a gravidez é uma doença e os erros aparecem em cascata de intervenções desnecessárias, como se fosse necessário corrigir algo que não vai bem para tratar alguém que está doente. Há uma utilização de tecnologia onerosa e, na maioria das vezes, desnecessárias, uma vez que somente 15% das gravidezes são de risco e precisarão de intervenções.
A pesquisa “Nascer no Brasil” aponta ainda que apenas 5% das mulheres tiveram partos sem intervenções como cesariana, episiotomia (incisão para ampliar o canal de parto) e manobra de Kristeller (aplicação de pressão no útero para facilitar a saída do bebê), sendo que 53,5% das mulheres sofreram episiotomia.
Além dessas intervenções, muitas mulheres são privadas da alimentação, movimentação e de ter o acompanhante de sua escolha. Intervenções já desaconselhadas, como lavagem intestinal (enema), raspagem dos pelos pubianos (tricotomia), rotura precoce e sem indicação da bolsa (aminotomia) ainda são práticas de rotina em muitos estabelecimentos de saúde. O resultado da pesquisa é um retrato da assistência ao parto praticada atualmente no Brasil e da necessidade de um esforço conjunto para mudar essa realidade.
Já presenciei situações e ouvi muitos relatos que marcaram minha vida no trabalho contínuo que realizo com gestantes em Unidades de Saúde, na assistência ao pré-natal e pós-parto, e em Maternidades, na assistência ao trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Em um dos grupos de gestantes que realizamos em uma unidade de saúde, ouvi algo que me chocou, indignou e ao mesmo tempo me fortaleceu para continuar na luta pela humanização da assistência. O tema do grupo era “assistência ao parto: do mundo real ao ideal”.
Depois que discutimos sobre a importância da alimentação e liberdade de posição durante o trabalho de parto, inclusive com caminhadas, exercícios na bola obstétrica e banhos de chuveiros, uma mulher nos contou quase que em prantos que no parto da sua primeira filha sentia sede e necessidade de andar(mesmo sem saber que esses desejos facilitariam o parto), mas foi proibida e orientada a permanecer na cama e em jejum. Depois de muito reclamar de sede, lhe ofereceram gaze embebida em água para passar na boca. E para conseguir sair da cama, precisou mentir dizendo que estava com diarréia, assim, pode ir ao banheiro por várias vezes e aproveitava para andar e agachar. É inadmissível ainda ouvir esses relatos e outros de violência verbal em um momento tão especial da vida de uma mulher como é o nascimento de um filho.
Trocar experiências e consultar profissionais é essencial
Na formação de enfermeiros obstetras, procuramos subsidiar os alunos com conhecimentos atuais e baseados em evidências obstétricas para uma assistência de qualidade, mas prezamos também por levar o diagnóstico atual da assistência obstetrícia brasileira que, infelizmente, é marcada pelo não protagonismo e assistência sem evidências científicas. O lado positivo é que algumas instituições, como o Hospital Sofia Feldman em Minas Gerais, conseguem oferecer uma assistência à mulher e à criança pautada nos princípios do protagonismo feminino e na humanização preconizada pelo Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde.
É imprescindível que na formação dos enfermeiros obstetras haja estímulo para a realização de práticas educativas como grupos de gestantes e casais grávidos. Sabemos que há por parte das mulheres uma valorização das consultas de pré-natal em grupo, porém, a maioria delas saem das consultas com dúvidas, medos e ansiedade, principalmente com a proximidade do parto. E, mesmo quando o profissional tem uma escuta ativa e faz orientações individuais em consultório, é necessário promover espaço que possibilite a troca de experiência entre as mulheres, a oportunidade de retirar dúvidas e minimizar medo que circundam a gravidez, o parto e pós-parto. Nestes espaços, o enfermeiro obstetra pode promover o empoderamento através da informação.
Atualmente, na Pós- Graduação em Enfermagem Obstétrica da FacRedentor no IESPE, promovemos o Grupo de Gestantes e Casais Grávidos que acontece na Policonsultas, que gentilmente cedeu o espaço para que os alunos tenham a oportunidade de vivenciar e valorizar essa prática. Nessas oportunidades, além do interesse acadêmico, temos a intenção de discutir com as mulheres sobre os tipos de partos e suas reais indicações, estimular a busca pelo parto e nascimento humanizados e respeitosos, além de discutir dúvidas apresentadas pelas mulheres e acompanhantes. Também oferecemos o conhecimento dos métodos não farmacológicos para o alívio da dor, como massagens, uso da bola obstétrica, técnicas de respiração, entre outros. Muito interessante perceber o interesse das mulheres e como aumenta a cada dia o número de gestantes que chegam ao grupo, sendo que a maioria delas está conseguindo ter parto normal.
Um caso marcante foi o de uma mulher que conheceu o nosso trabalho e se encantou. Rompeu com uma história familiar, tanto da sua família como a do parceiro, que era marcada por cesarianas, na maioria das vezes desnecessárias. Mulher de classe alta que ouviu durante toda a vida que parto normal não é normal e é coisa de mulher pobre.
Os primeiros grupos que participou ainda antes da sua gestação deram força e estímulo para abusca intensa por informações sobre essa nova e diferente possibilidade de parir. Algum tempo depois, engravidou e continuou participando dos encontros de casais grávidos. Percebíamos a mudança total na fala dessa mulher, que se tornou referência nos encontros e uma encorajadora das gestantes que ainda temiam o parto normal. Suas falas a cada reunião de grupo eram cada vez mais carregadas de determinação, coragem, empoderamento e revolta com as histórias de violências obstétricas relatadas pelas outras mulheres que já eram mães.
No seu processo de gestação, trocou de obstetra por diversas vezes até encontrar aquela que iria respeitar sua fisiologia e seus desejos, fez questão de ter uma enfermeira obstetra a acompanhando durante todo o seu trabalho de parto e se transformou em uma mulher guerreira que empoderou e conscientizou seu parceiro, mudando a si mesma e a todos nós (facilitadoras, alunos e demais participantes do grupo). Finalmente, aquela mulher que chegou no grupo fragilizada e marcada por histórias de cesariana na família,conseguiu enfim parir quebrando paradigmas, regras familiares/sociais, rotinas e normas hospitalares (diga-se de passagem, hospital com taxa de mais de 90% de cesariana), trouxe ao mundo sua filha através do parto normal, fisiológico, humanizado e respeitoso.
Por essa história e por tantas outras que com muita luta conseguimos mudar, é que vale a pena ser enfermeira obstetra e formar enfermeiros obstetras.
Espero que tenha gostado do texto e que as informações tenham sido não só esclarecedoras como também possam ter mostrado a importância do tema e do enfermeiro nesse processo. Não esqueça de comentar e compartilhar a sua experiência.
Abraço,
REFERÊNCIAS
NASCER NO BRASIL. Inquérito Nacional sobre parto e nascimento. Disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/arquivos/anexos/nascerweb.pdf> Acesso em: 15 de jan, 2016.
COFEN. Cofen repudia ataque corporativo à Enfermagem Obstétrica. Disponível em: <http://portal.coren-sp.gov.br/node/42342. Acesso em: 19 de fev, 2016.
Oliveira MSM et al .Humanização do parto. Nasce o respeito: informações práticas sobres seus direitos. Comitê Estadual de Estudos de Mortalidade Materna de Pernambuco. — Recife: Procuradoria Geral de Justiça, 2015.