Enfermagem Obstétrica: o papel de empoderar mulheres – parte 1

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Entenda a importância da Enfermagem Obstétrica na gravidez por meio da história de vida da enfermeira Ana Beatriz Querino

 

Dizem que gostar de sua profissão é algo essencial para uma vida saudável e feliz. No meu caso, significa muito mais do que isso: a Enfermagem é uma paixão de vida que reflete as minhas alegrias, anseios e indignações como pessoa e, mais especificamente, como mulher. Por isso, quero compartilhar com vocês a importância da Obstetrícia, que tem me fascinado mais e mais a cada dia e me feito aprender e ensinar sobre a fase mais bonita da vida de uma mulher: a gravidez. Como é um assunto extenso e muito importante, vamos dividir esse tema em duas partes, então não se esqueça de conferir depois a continuação.

 

Tudo começou quando estava tratando de um familiar. Cuidei, sem saber cuidar, mas com amor e intuição e, através dessa experiência, observei que as pessoas precisam muito mais do que um profissional que entenda da sua doença: precisam de pessoas que as vejam como seres integrais com necessidades biopsicossociais e espirituais a serem atendidas. Desejei saber mais sobre a ciência do cuidar e descobri a Enfermagem. Foi amor à primeira vista.

 

O interesse pela Obstetrícia, entretanto, surgiu na faculdade, durante a disciplina ”Saúde da Mulher”. Dificilmente algum aluno passa por essa matéria sem que algo mude no seu interior e as atividades práticas me colocaram diante de mulheres com histórias de vida diferentes, interessantes, emocionantes, revoltantes e apaixonantes.

 

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Ampliei minha visão do que é “ser mulher” e passei a vislumbrar todas as dimensões: mulher trabalhadora, mulher solteira, mulher feminista, arrimo de família, mulher frágil, forte, saudável, doente, carente, negra, pobre, branca, classe média, mulher do lar, mulher estudante, mulher de pouco estudo, mulher sábia, mulher religiosa, mulher de fé. Mas me encantei com a mulher que carrega no ventre o milagre da vida. O meu interesse foi tão grande que, assim que finalizei a faculdade, iniciei uma especialização em Enfermagem Obstétrica, o que contribuiu para aumentar ainda mais o meu interesse pela área e, principalmente, o compromisso de ofertar para as mulheres uma assistência respeitosa durante gravidez, parto e pós-parto.

 

Com o decorrer dos anos de atuação nas áreas de saúde da mulher e obstetrícia, senti a necessidade de atuar na graduação, na disciplina Saúde da Mulher, e Pós-Graduação, em Enfermagem Obstétrica. É necessário formar profissionais que possam manter acesa a chama da assistência à mulher pautada na boa ciência baseada em evidências, no respeito e na qualidade.

 

Minha experiência familiar também teve influência. Minha avó foi parteira e nasci sozinha na cama com minha mãe. Quando ela estava em trabalho de parto, ouviu um médico dizer: “Hoje ninguém mais vai parir aqui. Vou descansar e não quero ser incomodado”. Ela, que não havia sido avaliada por ele nas últimas horas, sentia que eu ia nascer. Sabia que tinha capacidade e conseguiria. Fez força segurando a cabeceira da cama de ferro e eu cheguei quentinha e chorona. Ela me conta essa história desde a minha infância.

 

Eu gostava de ouvir e admirava a força que ela teve, mas com o decorrer dos tempos fui amadurecendo e me questionava:por que tinha sido daquela maneira?  Quando entrei para a obstetrícia, fiquei imaginando uma assistência mais acolhedora e respeitosa para o meu nascimento. E, ao ter minha própria experiência com o parto, eu quis um cenário diferente daquele. Tive um parto de respeito, evidências, sabedoria, cientificidade, acompanhamento e amor. Experiência essa que mudou mais ainda a minha vivência e tem contribuído para transformar a das mulheres que passam por minha vida.

 

 

Por que é importante se especializar em Obstetrícia?

 

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(Foto: Reprodução/fridaycenter.unc.edu)

Na prática, o que é a Obstetrícia e por que ela é importante? A especialização em Enfermagem Obstétrica oferece ao enfermeiro subsídio para trabalhar com a mulher durante pré-concepção, pré-natal, parto, nascimento e pós-parto tendo como base a assistência baseada em evidências e nos princípios e necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Tudo com foco na mulher e família, respeito à fisiologia no parto/nascimento, com empoderamento e protagonismo feminino em todo o processo.

 

Cada vez mais os gestores em saúde vêm afirmando a necessidade da formação e atuação de enfermeiros obstetras no país. Alguns indicadores importantes de saúde como razão de morte materna, taxa de mortalidade infantil, partos cirúrgicos e aleitamento materno exclusivo, não andam bem.

 

Além disso, o país assumiu recentemente o título de campeão de cesáreas. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o índice razoável seguro de cesáreas é de 15% dos nascimentos, sendo que a média mundial é de 18%. Quando necessárias, as cesarianas salvam vidas, mas o parto cirúrgico sem indicações e critérios aumenta os riscos maternos e neonatais.

 

O maior inquérito nacional sobre Parto e Nascimento “Nascer no Brasil”, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz em 2011/2012, apontou que 52% dos brasileiros vêm ao mundo por esse método, e o espantoso é que nas instituições privadas esse percentual chega a 88%.

 

Outro ponto primordial é a morte materna no país, que apesar da tendência de queda, ainda permanece três a quatro vezes maior do que a encontrada no conjunto de países desenvolvidos no início da década de 2010. Perdemos mulheres em idade reprodutiva e produtiva, muitas o principal sustento de suas famílias, e o mais inaceitável é que aproximadamente 92% dessas mortes poderiam ser evitadas. Há uma relação direta das mortes maternas com elevados índices de cesariana.

 

Por essas razões e acreditando que é possível minimizar estes problemas e oferecer à mulher e à família uma assistência digna em uma fase tão especial na vida da maioria das mulheres, que a FacRedentor no IESPE há três anos nos apoia e oferece a Pós-Graduação em Enfermagem Obstétrica, além do Grupo de Gestantes e Casais Grávidos e eventos na área da Obstetrícia com personalidades brasileiras renomadas na área.

 

 

Recursos e políticas para a mulher grávida no Brasil

 

Nos últimos dois anos, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde lançaram algumas normativas visando assegurar a assistência mais segura à mulher durante o ciclo gravídico-puerperal. Uma delas é o direito de acesso à informação das beneficiárias, aos percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais (por operadora, estabelecimento de saúde ou por meio do médico). Também foi determinada a utilização do partograma (registro do desenvolvimento da gestação, como de contrações, batimentos cardíacos e dilatações), do cartão da gestante e da carta de informação à gestante no âmbito da saúde suplementar. Além disso, estão incluídas a regulamentação do credenciamento obrigatório de enfermeiros obstétricos e obstetrizes pelos planos de Saúde Suplementar e, por fim, a definição de que as cesarianas eletivas irão ocorrer somente após a idade gestacional de 39 semanas.

 

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A principal política de atenção à mulher durante período gravídico puerperal e de atenção à criança do Ministério da Saúde conhecida como Rede Cegonha, instituída através da PORTARIA Nº 1.459, de 24 de Junho de 2011, aponta para a necessidade de formação de enfermeiros obstetras:

 

“A dependência da ação do profissional médico na atenção ao parto tem sido apontada como uma distorção importante no modelo de atenção à gestante no Brasil, cuja superação exige, entre outras ações, investimentos na formação de profissionais, em especial enfermeiros obstetras, e na experimentação e no monitoramento de outras modalidades de acompanhamento à gestante, assegurando os princípios da humanização, das boas práticas e da segurança no parto e nascimento”.

 

 

Qual o papel dos enfermeiros nesse processo?

 

 

Dar assistência no processo de gestação é algo que exige não só especialização, mas também um perfil e cuidado especiais. Por isso, existem algumas características em comum entre os profissionais de saúde que atendem a essas mulheres e seus familiares. Esses fatores são pré-requisitos para que uma pessoa se torne um bom enfermeiro na área.

 

O enfermeiro obstetra deve reunir algumas qualidades como: interesse pela área, respeito à autonomia e protagonismo da mulher e entendimento do parto como um evento fisiológico, familiar e não como um acontecimento médico ou doença. Além disso, deve ter capacidade de reconhecer os riscos perinatais, sabendo agir diante de intercorrências obstétricas (assunto que será tratado com mais detalhes na segunda parte deste texto).

 

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(Foto: Reprodução/ emaze)

Esses fatores são importantes, pois o enfermeiro obstetra estará presente em todos os estágios da gestação:  já começa a atuar no período antes da concepção,em que a mulher e/ou casal deve realizar a avaliação pré-concepcional e preparo para uma gestação saudável. Posteriormente, o enfermeiro atua no pré-natal do início ao fim, podendo assistir a gestante e seus familiares em consultas individuais e em grupos educativos.

 

Há base legal para que o pré-natal de risco habitual seja assistido integralmente pelo enfermeiro ou intercalado com um médico dentro do contexto de trabalho em equipe. A abordagem multidisciplinar com profissionais como assistente social, demais integrantes da equipe de Enfermagem, agente comunitário de saúde, fisioterapeuta, odontólogo e educador físico favorecem a integralidade da assistência à mulher. Durante a assistência ao parto, o enfermeiro assiste a mulher em todas as fases, acolhendo a gestante e seu acompanhante. É ele quem irá realizaras avaliações materna e fetal baseadas em evidências e será o responsável por registrar a evolução do trabalho de parto (inclusive no partograma).Tudo isso ofertando métodos não farmacológicos para alívio da dor, além de tranquilizando e fortalecendo a mulher no período ativo do trabalho de parto e no nascimento.

 

No parto, o enfermeiro obstetra também deve estar aberto ao trabalho em equipe, apoiando o trabalho das doulas e atuando em parceria com os demais profissionais de saúde, porém, sempre defendendo o protagonismo da mulher e fisiologia do nascimento.

 

Na próxima parte deste post, vamos tratar exatamente dessa atuação do enfermeiro e como o atendimento pode ser mais humano, evitando e vencendo riscos para proporcionar um parto respeitoso e garantir que a experiência da gravidez seja a melhor possível para a mulher.

 

Espero que tenha gostado do texto. Não se esqueça de comentar a sua visão sobre o tema e de contar a sua experiência.

 

Abraço,

 

 

 

Foto de Ana Beatriz Querino

Ana Beatriz Querino

2 comentários em “Enfermagem Obstétrica: o papel de empoderar mulheres – parte 1”

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