Qual o papel do enfermeiro na doação de órgãos e como é esse processo?

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Entenda como os profissionais da Saúde atuam na doação de órgãos, quais podem ser doados e o que é preciso para que o transplante seja realizado

 

Temos no Brasil aproximadamente 32.000 pessoas aguardando na fila por um transplante de órgão ou tecido, o que é um número expressivo. Muitas pessoas morrem todo ano por não conseguirem um órgão para manter suas vidas. E o sucesso dos transplantes de órgãos como alternativa terapêutica aos portadores de doenças terminais é inquestionável.

 

Por isso, é muito importante que esse tema seja abordado e que haja uma mobilização para o transplante de órgãos em maior escala. Principalmente porque há várias doenças que podem levar à necessidade de transplante. Alguns pacientes podem desenvolver uma perda da visão devido ao avanço de uma alteração na córnea chamada ceratocone, que pode evoluir para a necessidade de transplante de córnea. Há ainda pessoas que evoluem para um grau severo de insuficiência hepática, renal ou cardíaca, que gera a necessidade de transplante. Citei alguns exemplos, mas as situações que dependem de um doador são variadas.

 

A doação pode ser de órgãos (rim, fígado, coração, pâncreas e pulmão) ou de tecidos (córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical).  No caso de órgãos como o rim, parte do fígado, do pulmão e da medula óssea, ela pode ser feita em vida, mas os demais só podem ser doados após a morte do doador.

 

Não temos banco de órgãos, pois não são preservadas as qualidades necessárias para o transplante se o órgão ficar muito tempo fora do corpo, mas em 14 de dezembro de 2015 foi publicada pela ANVISA a Resolução RDC 55/2015, que estabelece Boas Práticas em Tecidos Humanos, incluindo requisitos técnico-sanitários para o funcionamento dos bancos de tecidos. O regulamento busca garantir a segurança e a qualidade dos tecidos humanos fornecidos para uso terapêutico e os bancos de tecido devem buscar potenciais doadores, verificar se foi realizada ou garantir a realização da triagem clínica, efetuar a retirada dos tecidos doados e providenciar a reconstituição do corpo do doador, dentre outras atividades.

 

Vale a pena ressaltar que os Bancos de Tecidos Humanos em geral processam e armazenam tecidos oculares, tecidos musculoesqueléticos e pele.

 

 

O que é preciso para ser um doador em vida?

 

Por conta da demanda de pessoas que necessitam de um órgão, a doação em vida é muito importante. O doador vivo é considerado uma pessoa que tem boas condições de saúde (após análise médica), capaz juridicamente e que concorda com a doação. Por lei, pais, irmãos, filhos, avós, tios e primos podem ser doadores, mas não parentes também podem ser doadores através de uma autorização judicial.

 

Podem ser doados em vida o rim (por ser um órgão duplo) e partes do fígado ou pulmão. Já a pessoa que quer se cadastrar como doador de medula óssea deve procurar o Hemocentro mais próximo e expressar sua vontade. Será preenchida uma declaração de interesse em ser doador e o indivíduo será submetido a uma coleta de sangue para retirada de poucos mililitros (mL) para análise, como acontece em um exame de sangue normal. O Hemocentro entrará em contato quando encontrar um paciente compatível e, para isso, é importante manter os dados atualizados.

 

A equipe do serviço de transplante é responsável por analisar cada candidato para doação e restringir o transplante nos casos que não se adequam à política de doações. Existem vários critérios de exclusão para a doação de órgãos e tecidos e esses são definidos em lei pelo Ministério da Saúde através da Vigilância Sanitária. É o caso, por exemplo, da infecção sistêmica não controlada no momento da doação, incluindo infecções bacterianas, virais, fúngicas ou parasitárias, ou infecção local significativa nos tecidos a doar.

 

 

Como é a doação de órgãos no caso de morte encefálica?

 

Para que possa ser feita a doação de órgãos em casos de falecimento, é preciso que seja confirmada a morte encefálica, ou seja, a “ausência de todas as funções neurológicas”, o que inclui o cérebro e o tronco encefálico. Quando isso ocorre, a parada cardíaca é inevitável. Embora ainda haja batimentos cardíacos, a pessoa com morte encefálica não pode respirar sem os aparelhos e o coração vai parar de bater, assim como outros órgãos entrarão em falência.

 

O processo para a confirmação da morte encefálica e a manutenção do potencial doador requer muito conhecimento, empenho e habilidade da equipe multidisciplinar que atende o paciente e sua família.

 

Há que se considerar que cada órgão ou tecido tem um tempo que pode ficar fora do corpo aguardando o transplante após a confirmação da morte do paciente, por exemplo: as córneas podem ficar até 7 dias em preservação extracorpórea, o coração de 4 a 6 horas e os ossos até 5 anos.

 

Atualmente no Brasil a retirada de órgãos/tecidos de pessoas falecidas para a realização de transplante depende da autorização da família. Desse modo, é muito importante que uma pessoa que deseja ser doadora de órgãos e tecidos após a morte comunique à sua família sobre o seu desejo, para que a mesma autorize a doação.

 

Somente com o termo de autorização assinado pela família a doação poderá ser realizada.

 

 

Qual é o papel do enfermeiro no processo de doação de órgãos?

 

O enfermeiro desempenha papel essencial no estabelecimento de um programa de transplante de sucesso. Por isso, na pós-graduação de Enfermagem em Cuidados Intensivos (UTI) Adulto e Neonatal da Faculdade Redentor que acontece aqui no IESPE, temos o módulo sobre “Morte Encefálica, Manutenção do Potencial Doador”.

 

O Conselho Federal de Enfermagem preconiza ao enfermeiro responsável pelo processo de doação de órgãos o planejamento, execução, coordenação, supervisão e avaliação dos procedimentos de Enfermagem prestados ao doador. Esse profissional também fica responsável por planejar e implementar ações que visem a otimização de doação e captação de órgãos e tecidos para  transplante.

 

Sua atuação vai desde educar a respeito da doação de órgãos e tecidos até a manutenção do potencial doador e provisão de cuidados aos pacientes submetidos a transplante. Lembrando sempre que esse processo é um fenômeno complexo e que o enfermeiro interage com diversas pessoas e exerce um papel muito importante dentro da equipe de saúde.

 

Além de ser um trabalho de grande importância, é muito gratificante poder ajudar pacientes e suas famílias. Lembro-me, por exemplo, da conversa com uma pessoa cujo pai tinha falecido. O senhor era cego e o filho ficou muito feliz em saber que “o pai, mesmo cego e depois da morte poderia ajudar outras pessoas a enxergar”. Isso aconteceu porque a família doou as córneas do ente querido e ele não enxergava por complicações do diabetes na retina. Elas estavam ótimas e poderiam ser doadas para transplantes em outras duas pessoas.

 

Dentre os muitos casos que presenciei, esse me emocionou bastante. Lidar com os pacientes e com os familiares diante dessas situações requer embasamento científico e diferentes habilidades. Requer muito trabalho e é prazeroso demais!

 

 

 

Foto de Roberta Teixeira Prado

Roberta Teixeira Prado

Enfermeira pela UFJF, especialista em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva, em Urgência e Emergência Pré-Hospitalar e Hospitalar, além de em Enfermagem do Trabalho. Mestre em Enfermagem pela UFJF, Doutora em Enfermagem pela EEAN / UFRJ e Pós-doutora em Enfermagem pela UFJF. Atualmente é instrutora do BLS pela American Heart Association (AHA/SOMITI), professora de cursos de pós-graduação, professora da Faculdade de Ciências Médicas e Saúde de Juiz de Fora/Suprema e membro do Grupo Gestor do Laboratório de Habilidades Profissionais e Simulação Realística (LHPSR).

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