No Dia Internacional, conheça a realidade brasileira das mulheres na ciência
O acesso das mulheres à educação e à ciência é essencial para o desenvolvimento. E o aumento da presença feminina no Ensino Superior é tendência: dados do relatório Education at Glance 2019 da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apontam que mulheres brasileiras têm 34% mais probabilidade de se formar no ensino superior. Porém, elas ainda representam menos de 30% dos pesquisadores do mundo de acordo com o Instituto de Estatísticas da UNESCO.
Em comemoração ao Dia Internacional de Meninas e Mulheres na Ciência, nós reunimos informações importantes sobre a história e a realidade das mulheres na ciência, focando nas conquistas brasileiras. Inspire-se e compartilhe!
Por que a data foi criada?
O Dia Internacional de meninas e mulheres na ciência, comemorado em 11 de fevereiro, foi aprovado pela Assembléia das Nações Unidas em 2015 em parceria com a Royal Academy Science International Trust (RASIT), por meio da Resolução A/RES/70/212. A data foi pensada para enfatizar o papel fundamental das mulheres na ciência e tecnologia e promover a sua participação na área.
Embora iniciativas como essa e o Prêmio Loreal-UNESCO para Mulheres Cientistas tenham contribuído para o progresso na presença científica feminina, os números ainda preocupam. A pesquisa mais recente do Instituto de Estatísticas da própria UNESCO apontou que mulheres requesentam somente 28% dos pesquisadores e cientistas no mundo. O Fórum Econômico Mundial também divulgou que na ciência as mulheres conquistam um emprego a cada vinte, enquanto para homens essa proporção é de um a cada quatro.
De acordo com a historiadora Margaret Rossiter, a presença feminina ainda é restrita por causa de dois fatores principais. Existe a “segregação territorial” (agrupamento em determinadas áreas do conhecimento) e também a “segregação hierárquica” (quanto maior o cargo, menor a presença feminina).
Por que é importante mudar esse cenário? Como já disse Marcia Barbosa, coordenadora do Instituto de Física da UFRS e membro da ABC (Academia Brasileira de Ciências): “(…) não podemos nos dar ao luxo de perder 50% dos talentos para resolver os grandes desafios científicos da humanidade”.
A história das mulheres na ciência e educação
Por muito tempo, foi exatamente essa perda apontada por Marcia que prevaleceu por todo o mundo. No Brasil colonial, por exemplo, a educação seguia as normas portuguesas centradas no conceito de imbecilitus sexus: mulheres (juntamente com crianças e doentes mentais) eram consideradas intelectualmente inferiores. Como consequência, elas não tinham acesso à leitura e à escrita, sendo os ensinamentos restritos à costura, ao bordado, às boas maneiras e à reza. A primeira inciativa para instrução feminina no país partiu de um indígena em benefício de sua mulher, requisição que foi negada pela rainha de Portugal, Dona Catarina.
Somente a partir da reforma educacional estabelecida pelo Marquês de Pombal a educação feminina deixou de ficar restrita aos cuidados da casa, do marido e dos filhos. Elas então tiveram permissão para frequentar salas de aula e ensinar (com pagamento inferior), mas somente em ambientes exclusivos para moças e baseando-se em um conteúdo controlado pelo Estado (que não incluía, por exemplo, disciplinas consideradas mais “racionais”).
Normatização do ensino
Maiores conquistas só foram obtidas depois de 1870, quando o ensino foi normatizado entre os gêneros e o trabalho feminino começou a ganhar força. Prevalecia a visão de que mulheres tinham um dom natural para o ensino, mas elas não podiam ocupar cargos de comando, seja no nível acadêmico ou no profissional. Mesmo já nas primeiras décadas do século XX, a sua participação no magistério era dominante somente no ensino elementar. Também havia a exigência do celibato: docentes tinham que ser solteiras ou viúvas de acordo com o Estatuto da Instrução Pública.
Depois de pequenos progressos, foi apenas em 1879 que o governo imperial permitiu a entrada feminina no Ensino Superior, desde que tivessem autorização de seus pais ou maridos. Somente em 1887 o país formou sua primeira médica, a gaúcha Rita Lobato Velho Lopes, e a partir de 1917, as primeiras engenheiras. Com a formação de mulheres também na filosofia, ciências e letras, começaram a surgir as primeiras pesquisadoras, mas sem notoriedade ou espaço em altos cargos. Nas décadas seguintes, avanços no mercado de trabalho criaram a necessidade (e maior aceitação social) do estudo por parte de mulheres. Assim, nos anos 90 elas já ultrapassavam os homens em nível de escolarização e no número de docentes, embora com presença reduzida nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).
Cientistas brasileiras: as pioneiras e a nova geração
O Brasil possui um grande número de pioneiras na ciência: um estudo publicado em 2006 pela Sociedade Brasileira para o Progresso na Ciência apontou nada menos que 19 nomes. E as médicas Nise da Silveira (citada na lista do SBPC por causa do seu papel central na humanização do tratamento psiquiátrico) e Ruth Nussenzweig (pioneira no estudo de vacinas contra a malária) são as mulheres entre os cinco brasileiros indicados para o prêmio Nobel.
No fim de 2019, uma boa notícia: três brasileiras eleitas para a Academia Mundial de Ciências. Célia Regina da Silva Garcia (na área de biologia estrutural, celular e molecular), Luisa Lina Villa (pesquisadora da infecção por HPV) e Marcia Barbosa (física dedicada ao estudo de anomalias na água) fazem parte de uma marca inédita da Academia: 33% dos 36 cientistas eleitos no ano são mulheres.
Seguindo o exemplo dessas relevantes pesquisadoras, uma nova geração de brasileiras já está inovando em ciência e tecnologia. Reunimos abaixo cientistas jovens de diferentes áreas que já têm alcançado resultados importantes, com reconhecimento mundial.
Juliana Davoglio Estradioto
Ganhou, ainda no ensino médio, o Prêmio Jovem Cientista do CNPq e o 1º lugar na premiação da International Science and Engineering Fair (Iself) 2019. O feito foi consequência de suas pesquisas inovadoras na produção de materiais sustentáveis e despoluição da água. Como resultado, um asteroide foi nomeado com o seu sobrenome e a estudante se tornou assistente no renomado Instituto Technion em Israel. Além disso, participou da cerimônia de entrega do prêmio Nobel na Suécia.
Dra. Gabriela Barreto
Física estudiosa da ótica quântica, foi responsável por provar, pela primeira vez, o compartilhamento de informações entre partículas sem conexão física. Seu estudo foi publicado na revista Nature e ela é uma das únicas mulheres no mundo a se tornar residente na Escola do Instituto de Arte de Chicago.
Dra. Marcelle Soares-Santos
Astrofísica estudiosa da expansão acelerada do universo. Além de ser uma das principais responsáveis pela construção da câmera do projeto Dark Energy Survey (DES), fez parte do grupo de pesquisadores que confirmou pela primeira vez a observação da luz emitida na fusão de duas estrelas de nêutrons. Ganhou a renomada bolsa de pesquisa da Fundação Alfred P. Sloan e integra a equipe do Fermi National Accelerator Laboratory, centro de pesquisa em física de partículas da Universidade de Brandeis (EUA), onde é professora.
Anna Luísa Beserra
A biotecnologista começou a desenvolver aos 15 anos uma tecnologia para purificar águas rurais não-potáveis. O chamado Aqualuz utiliza luz solar e é atualmente a única tecnologia no mundo focada em cisternas. Pela invenção, Anna Luisa foi a primeira brasileira a ser premiada pelos Jovens Campeões da Terra, principal premiação da ONU na área.
Taciana Pereira
Formada em bioengenharia pela Universidade de Harvard, trabalhou no laboratório do Wyss Institute for Biologically Inspired Engineering com engenharia de tecidos e biomateriais. Foi co-presidente do Brazil Conference e atualmente é pesquisadora na startup Allevi (EUA), onde desenvolve um estudo para a construção de órgãos com impressão 3D.
Dra. Lia Medeiros
Formada em Física e Astronomia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Doutora pela Universidade do Arizona. Fez parte da equipe do projeto Event Horizont Telescope (EHT), responsável pela primeira fotografia de um buraco negro. Atualmente cursa seu pós-doutorado em astronomia e astrofísica pela National Science Foundation (EUA).